Variação linguística: etimologia, baixo calão e discurso autoritário

Compartilhe esta notícia:

Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna

Sabrina, uma ex-aluna do cursinho pré-vestibular mandou-me uma mensagem perguntando se havia alguma diferença entre o nome próprio Martim e Martin. Lembrei-me do nome de minha avó materna, Carmem, e minhas dúvidas acerca da escrita do nome próprio, “Carmem” ou “Carmen”. Durante os estudos na Faculdade de Letras, os nomes próprios foram tratados nas aulas de Gramática Normativa, mais especificamente com os substantivos próprios, todavia à sua busca etimológica ficara com o docente de Latim e Cultura Brasileira. E, também, a leitura nos alimenta de algumas carências que as universidades não são capazes de suster. Como diria Ziraldo: “Ler é melhor que estudar”.

O nome Martin é uma derivação do nome Martim, que provém do nome do guerreiro romano, “Martinus”, deus da guerra. Lembrando que para os gregos esse deus era Ares. As primeiras versões em português desse nome (Martino, Martinos) surgiram em Portugal no século XII, derivando outros nomes do original: Martinho, Martín, Martins, Martino, entre outros. Terminei dizendo a ela que os nomes próprios seguem, também, uma gramática particular, que se desenfream diante das normas gramaticais. Reparem: no meu registro de nascimento, Sergio não leva acento, e o correto seria Sérgio, ou seja, uma palavra paroxítona terminada em ditongo. Portanto, deveria estar acentuada. Lembro-me de uma mãe, quando era coordenador da Fundação Fé e Alegria no Rio Grande Sul, que relatara à sua dificuldade com o registro da filha recém-nascida. O seu desejo era que a guria fosse registrada como Tabla, porém o cartório não autorizou, registrando-a como Pabla; Preta Gil, também, não seria registrada caso Gilberto Gil não debatesse por horas a fio: “Por que não Preta? Há Rosas, Brancas…” Lacrou.

Ao final da semana passada, com a autorização da divulgação do vídeo da reunião ministerial do Governo Federal, brasileiros ficaram abismados com a quantidade de palavras de baixo calão, que perpassaram pela sessão. Pelo que apreciei, durante noventa minutos, a intenção era traçar metas para o combate ao coronavírus e como ficaria o pós-pandemia. Lamentável que durante uma reunião ministerial tenhamos chegado a assuntos de natureza subjetiva, relacionados à falta de compostura de diversos ministros e, também, da ausência de protocolo diante de discussões em que o rumo do País deveria ser tratado. A inabilidade com as palavras, questionada em governos anteriores, mostra-se nítida diante do governo Bolsonaro. Está certo que metáforas e ironias incorporam-se ao seu já conhecido discurso, entretanto falta alguém chegar e dizer a ele e parte dos seu Ministério que protocolos necessitam serem seguidos e que o linguajar chulo e desmedido deve ser utilizado com os seus comparsas, que pelo visto estavam ali presentes. Chamou-me a atenção que os generais, agora ministros, nada contribuem com o enriquecimento vocabular manifestado naquela reunião de palavrões, talvez, pela educação formal ao qual foram submetidos.

Há uma máxima linguística: “existe uma língua para cada momento, assim como existe um guarda-roupas para cada ocasião. Não se vai à praia de terno; assim como não se adentra a um Fórum de sunga”. Aquele era um momento em que a formalidade faz parte do protocolo, mesmo que seja reservada. Esta característica linguística apegada aos palavrões está associada ao discurso do presidente da República, à sua rotina, ao que ele vive. A língua é dinâmica, mas está associada com aquilo que se convive e nada tem de intencional a mudar. Embora muitos tenham focalizado nas palavras de baixo calão, importantes para o presidente, o objetivo deveria ser outro: a interferência em órgãos que não compete ao poder Executivo.

Entre etimologia, palavras de baixo calão e um discurso autoritário, fico com a variedade da Língua Portuguesa Brasileira. Como disse o nobre filólogo e professor Evanildo Bechara: “precisamos ser poliglotas em nossa própria língua”.

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.

Compartilhe esta notícia: