Aula de hoje: a crônica

Compartilhe esta notícia:

Por: Prof. Sergio A. Sant’Anna

Confesso a vocês que essa semana, ou seja, a que passou (“essa”, pronome que demonstra um passado recente, mas também pode representar o futuro) foi difícil escrever. Não pela função professor, que se multiplicou, porém pela repetição demasiada do assunto pandemia. Sei que é importante a informação, o debate, a pesquisa, o isolamento (aqui estão algumas vertentes do assunto pandemia que eu poderia abordar), mas confesso que as ideias somem.

O cronista necessita ser capaz de analisar o cotidiano como o faziam: Lima Barreto, João do Rio, Machado de Assis, José de Alencar (o introdutor deste gênero “menor” chamado de crônica), Rubem Braga (o Pelé da crônica), Stanislaw Ponte Preta, Ignácio de Loyola Brandão, Armando Nogueira, Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu, João Ubaldo Ribeiro, Raquel de Queiróz, Augusto Nunes, Roberto Drummond, Mário Prata, Antonio Prata, Fernanda Torres etc. Não pode o cronista passar pelo cotidiano e não conseguir analisar às suas facetas, os seus detalhes, olhar aquele mesmo caminho como sinuosas alternativas. Hoje com o celular fica mais fácil anotar tudo aquilo que se observa, evitando a caderneta do imortal Ignácio de Loyola Brandão, araraquarense, recém-chegado na cidade de São Paulo e um dos jornalistas contratados pelo “O Estado de S. Paulo”, todavia abro o meu peito e confesso ser amante do papel. Nada como preparar o seu texto numa folha, anotar os detalhes naquele rascunho, transbordar-se por aquele papel A4 rabiscado pelas filhas. Ainda não sou capaz de enclausurar minhas ideias num bloco de notas do celular. Não tenho confiança, e muito menos a habilidade para digitar por aquele teclado mínimo que os olhos cambaleados pelo tempo não são capazes de fixar. Os rascunhos são meus confidentes.

Uma das técnicas que adquiri, ao longo desses anos ministrando aulas de Redação foi transformar minhas ideias em um mapa conceitual mental; este, também, é um exercício que pratico com meus alunos durante nossas aulas. Tornei-me fã deste tipo de planejamento textual por causa de um professor de Matemática, lá de Alvorada (região metropolitana do Rio Grande do Sul, chamado Matheus. O docente era “fera”. Esquematizar o texto, entretanto há que se ter a ideia antes de tudo. Essa semana trabalhei, curiosamente, com minhas turmas de Ensino Fundamental II, o conceito de crônica – sua história e suas obras. Para expressar o conceito de crônica reflexiva, fui logo passando por Olavo Bilac e uma crônica de 1905 em que o acadêmico parnasiano relatava a dura vida do morador de rua. Apesar de algumas palavras fazerem parte daquele período histórico, pois a língua é dinâmica, os discentes foram logo atribuindo datas recentes ao texto, todavia 115 anos se passaram e parece que nada mudou. Para descontrair pedi que lessem como tarefa, para a próxima aula virtual, “A velha contrabandista”, de Stanislaw Ponte Preta; não me esqueci de fazer referência ao papa da crônica, o nosso genial Rubem Braga, que ao lado de Drummond deu vida a este gênero, antes considerado como menor. Do Rubem pedi que lessem, “Meu ideal seria escrever”. Como resultado diversas opiniões brotaram, e textos magníficos nasceram. Foram muitos, diversos, alimentando a estrutura necessária para este tipo de gênero textual, e dando voz aos argumentos mais belos e consistentes. Renasci naqueles textos arquitetados com primor.

Depois de todo esse esboço, dessas confissões docentes, chegou a minha hora de elaborar mais um texto, seguindo aos parâmetros alicerçados pela crônica; sei que os assuntos não variam, tratam de uma temática uníssona, porém tenho que me reinventar. Acredito que este período de confinamento, de quarentena, respeitando aos meus e aos demais cidadãos, elevem-nos. Seja um momento de real transformação. Apesar dos desafios serem inúmeros, pois fomos tragados por algo inesperado, nossa capacidade de aprender e reaprender é gigantesca. Não nos acostumemos às falácias, à ignorância, saia do lugar comum, e veja como o cronista: paisagens distintas pelo mesmo caminho. Caso não consiga anotar os detalhes em seu celular, opte pela velha caderneta ou rascunhos.

Será que serei capaz de escrever uma crônica?

*Prof. Sergio A. Sant’Anna – Professor da Rede Adventista em Santa Catarina; Corretor de Textos em “Redação sem Medo”.

Compartilhe esta notícia: