Transtorno de Acumulação: o que é?

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Professor de Psicologia da Uniara fala sobre o termo

Guardar lembranças e colecionar objetos fazem parte do cotidiano da sociedade. Atividades como essas podem causar, em geral, um sentimento de bem-estar às pessoas e dar mais prazer às suas vidas. Há, entretanto, situações em que um indivíduo acumula inúmeros objetos e, mesmo que não tenham serventia, não quer se desfazer deles, o que pode passar a prejudicá-lo, já que o que era para ser um passatempo, por exemplo, torna-se um exagero e gera desordem, seja ela mental ou social. O professor do curso de Psicologia da Universidade de Araraquara – Uniara, Fábio Mastroianni, conta que isso pode ser o Pode ser o Transtorno da Acumulação, e coloca que isso “faz parte do Transtorno Obsessivo Compulsivo – TOC ou está relacionado a ele, configurando-se, portanto, em uma forma de compulsão”.

“Trata-se de um ato em que o indivíduo até tenta refrear, controlar, mas não consegue. Tais compulsões têm a finalidade de afastar ideias ou pensamentos intrusivos indesejáveis, denominados de obsessão. Os atos são irracionais e, mesmo quando o indivíduo possui crítica (insigth) dessas compulsões, ele não consegue se controlar”, explica o docente, que cita os principais critérios que caracterizam o Transtorno de Acumulação, utilizando-se do DiagnosticStatistic Mental – DSM-5, um manual de diagnósticos da Associação de Psiquiatria Americana, que apresenta:

“A) Dificuldade persistente de descartar ou de se desfazer de pertences, independentemente do seu valor real; B) Essa dificuldade se deve a uma necessidade percebida de guardar os itens e ao sofrimento associado a descartá-los; C) A dificuldade de descartar os pertences resulta na acumulação de itens que congestionam e obstruem as áreas em uso, e compromete substancialmente o uso pretendido. Se as áreas de estar não estão obstruídas, é somente devido a intervenções de outras pessoas, como membros da família, funcionários de limpeza e autoridades, por exemplo; D) A acumulação causa sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo, incluindo a manutenção de um ambiente seguro para si e para os outros; E) A acumulação não é devida a outra condição médica; F) A acumulação não é mais bem explicada pelos sintomas de outro transtorno mental”.

Por vezes, o termo é usado de maneira exagerada ou inadequada, segundo Mastroianni, “levando à confusão e ao mau uso das expressões, principalmente quando usado com a finalidade de rotular ou ‘classificar’ determinado indivíduo”. “Muitas pessoas podem desenvolver hábitos ou práticas de guardar, preservar ou acumular determinados objetos, mas não necessariamente são portadoras do Transtorno de Acumulação”, salienta.

Ele aponta que, de acordo com o DSM-5 e com pesquisas recentes, a indecisão é uma característica proeminente dos indivíduos com o problema e em seus parentes de primeiro grau. “Além disso, observa-se que esses indivíduos frequentemente relatam eventos vitais estressantes e traumáticos, precedendo o início do transtorno ou causando a sua exacerbação”, diz.

Separar o que é considerado um comportamento funcional – colecionar objetos -, de um transtorno de acumulação, torna-se complicado, de acordo com ele. “Diversos outros aspectos da história de vida do indivíduo devem ser avaliados e ponderados. Um colecionador geralmente armazena objetos de valor ou que, embora isoladamente não tenham valor financeiro significativo, em conjunto e formando uma coleção, passam a ter valor, inclusive financeiro. No entanto, esse critério, por si só, se mostra frágil para realizar tal distinção, já que entre os pertences de uma pessoa com Transtorno de Acumulação é possível encontrar objetos de valor – critério ‘A’. Já o ‘C’ aponta uma diferença bastante comum entre colecionadores e pessoas com o transtorno, uma vez que os primeiros geralmente separam cômodos, espaços específicos em bancos ou seguradoras e, às vezes, até mesmo imóveis para armazenar suas coleções, enquanto que as pessoas com Transtorno de Acumulação tendem a não distinguir os objetos, dos mais variados tipos, dentro de seu próprio espaço vital. Isso acaba dificultando a deambulação nesse ambiente, bem como dificultando a realização de outras tarefas básicas, como cozinhar, dormir e tomar banho, entre outras, todas elas devido ao espaço que os objetos acumulados passam a ocupar”, explica.

No entanto, Mastroianni deixa claro que os exemplos dados se referem apenas a atividades isoladas ou pessoais. “Se imaginarmos que outras pessoas e/ou familiares também podem compartilhar o mesmo espaço deste indivíduo, a situação pode se complicar ainda mais e satisfazer o critério ‘D’”, reforça.

Muitas pessoas guardam lembranças, e não existe malefício em relação a isso, como relata o docente, afirmando que muitos desses objetos são utilizados, inclusive, com finalidade terapêutica, como nos casos de pessoas que sofrem de amnésia ou desenvolveram um quadro de demência. “Entretanto, é claro que realizar isso em excesso pode trazer prejuízos e, em alguns casos, estar associado a transtornos mentais. Porém, cada caso é único e deve ser analisado de maneira singular, acompanhado por um profissional da área de saúde mental, de preferência”, adverte.

De qualquer maneira, alguns pontos devem ser pensados. “Esse comportamento, seja lá qual for, atrapalha ou prejudica meu funcionamento cognitivo ou emocional? Acarreta prejuízo significativo em minha vida social, profissional ou afetiva? É compartilhado pelos membros da minha cultura, ou seja, na sociedade em que vivo? As pessoas com quem me relaciono também exibem esse tipo de comportamento e isso é aprovado pela comunidade em que vivo? Essas questões podem nos ajudar a pensar se determinada postura ou problema podem ser considerados patológicos, mas, isoladamente, nenhuma delas é capaz de definir é considerado ou não um transtorno, devendo-se sempre discuti-lo e analisá-lo junto a um profissional”, ressalta.

Os problemas que podem acometer um acumulador são inúmeros e, dependendo de cada caso, podem se mostrar de maneira mais ou menos grave, de acordo com Mastroianni. “Alguns indivíduos com o transtorno vivem em condições insalubres, como consequência lógica de espaços gravemente obstruídos e/ou que estão relacionados a dificuldades de planejamento e organização”, esclarece.

De modo geral, o professor aponta que a associação de psicoterapia e farmacoterapia se mostra indispensável para o tratamento, “devendo-se ponderar também a importância de se incluir a família no tratamento, dada a fragilidade que ela pode apresentar, bem como a importância dela no suporte e na evolução do paciente”. “Algo interessante no campo da saúde mental é destacar que pessoas com o mesmo diagnóstico podem apresentar curso e evolução distintos, pois suas personalidades e histórias de vida, bem como o suporte familiar, tendem a contribuir para o prognóstico do tratamento. É por este motivo que nesse campo não se utiliza o termo doença, e sim, ‘transtorno’, pois um conjunto de fatores e aspectos está relacionado à sua etiologia (causa), entre eles, o biológico, o psicológico e sociocultural”, explica.

Para finalizar, ele faz questão de frisar mais uma vez a importância de se discutir essas questões sempre em conjunto com um profissional da área de saúde mental, “visando a evitar que as pessoas se utilizem desta matéria como uma forma de consulta ou de auto diagnóstico”.

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