(A)Deus, um talento único: Beth Carvalho

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“Já me fiz a guerra por não saber, que essa terra encerra o meu bem querer e jamais termina meu caminhar” (…)

Por: Maria Fernanda Jacob*

A vida é feita de ciclos. Inevitavelmente qualquer coisa que começa em nossa existência, um dia termina; sem avisos ou cerimônias. Fato!

Desde criança, sempre fui ligada à música, mas algumas sempre me tocaram em especial; razão é que, quem me conhece, sabe que bastava aparecer um violão em minhas mãos e, a primeira canção tocada, era “Andança”, cujo trecho utilizei para dar início a este relato.

Com o passar dos anos, vamos acumulando experiências e evoluindo espiritualmente, de forma que passamos a compreender os “porquês” da vida, os “porquês” de alguns apegos ou preferências.

No setlist da Beth Carvalho – em especial -, essa música fora gravada, bem como por tantos outros artistas, e assim a vida seguiu suas “Andanças” pelo mundo afora – sem os “porquês” tão lineares.

E, como tudo na vida acontece quando estamos preparados e menos esperamos, no meio da tarde, de um dia comum, eis que recebo uma ligação de Letícia De Freitas e Castro (empresária, sócia da empresa Grupo Identidade – Estratégia, Comunicação e Conexão). Ela me faz uma interrogativa, mais que isso, me agraciou com um presente daqueles que deixa as pernas bambas, o coração acelerado e a alma grata. Mas voltamos na pergunta:

– “Maria Fernanda, estou em reunião com o empresário da Beth Carvalho – persona que iremos homenagear na próxima edição do G10 – Grupo de Empresários do Rio de Janeiro do qual ela é vice-presidente-. Há um interesse coletivo de realizar um sonho Dela: criar o “Instituto do Samba Beth Carvalho”; assim…você topa fazer toda a parte jurídica?”

Sem titubear um milésimo, respirei profundamente e minha resposta saiu instantemente: óbvio; claro que sim!”.

Alguns dias se passaram, após o aceite, e lá estávamos nós nada menos que na casa da Beth, – por vontade dela – apresentando o projeto; já com o Estatuto pronto e as demais peculiaridades!

Beth exala sinceridade, – poderia não ter gostado -, mas ficou encantada, sua expressão sentenciou aquela alegria presente! Foi da forma que podia; um pouco sentada, um pouco deitada, porém; completamente à vontade na sala da sua casa, pois já estava bem debilitada fisicamente.

Seus olhos brilhavam a cada palavra que proferíamos e, sua alma, demonstrava imensa alegria e entusiasmo. Seu sonho estava ali se materializando, muito próximo da realidade e aquilo a fazia brilhar, pelo menos era essa a minha impressão – metade fã e a outra metade de advogada.

O BETHQUIM estava a um passo de nascer para o mundo, através de um projeto maravilhoso de ensinar música – as raízes do samba para os menos favorecidos por meio do “Instituto do Samba Beth Carvalho”; afinal acervo e incentivo tínhamos de sobra. As horas passavam voando – deitada no sofá, ela queria saber mais e mais sobre tudo aquilo que durante horas cheias a sua dor se transformou em alegria, vida e realização.

Dada à maneira carinhosa que ela conversava, olhando dentro de nossos olhos e irradiando serena luz, o momento fora eternizado em nossa memória. Dava pra ouvir o pulsar do coração (talvez o meu e dos poucos que estavam presentes naquela sala, naquele sofá, naquele dia em especial). Parecia um sonho, e era, porém realizado… Conhecer a madrinha do samba, baluarte da Estação Primeira de Mangueira: Beth

Carvalho, presente!

Extasiada por fazer parte da equipe que tornaria real o sonho Dela… o sonho D’aquela que admirei desde sempre… Aquela que levou aos festivais uma das minhas músicas prediletas: Andança!

Essa canção tem valor sentimental imensurável, pois foi feita na casa de Beth Carvalho, por três jovens que, como ela, iniciavam na época suas carreiras: os compositores Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós. Danilo compôs a melodia da primeira parte, Edmundo a da segunda e, novamente Danilo, a última parte que é usada em contracanto. Narram os fatos que coube ao Paulinho fazer a letra, que trata da caminhada sem fim de um romântico andarilho: “No passo da estrada/ Só faço andar/ Tenho a minha amada/ A me acompanhar/ Vim de longe, léguas/ Cantando eu vim/ Vou, não faço tréguas/ Sou mesmo assim / por onde for quero ser seu par”.

Apresentada por Beth Carvalho e os Golden Boys, “Andança” foi a terceira colocada na parte nacional do III FIC (Festival Internacional da Canção) e uma das mais ovacionadas pelo público.

Crédula de que tudo sempre acontece na melhor hora – a tal paciência foi a mola propulsora que cuidou da minha ansiedade – em concretizar e colocar em pratica algo capaz de renascer qualquer alma; a alma Dela.

Passados mais alguns dias, fomos convidadas a participar da comemoração do aniversário de Beth, 5 de maio de 2018. Entre tantos conhecidos da música que lá estavam para saudar a existência da madrinha do samba, por óbvio uma roda maravilhosa ali se formou. Entre canções, batuques e homenagens – vozes entoaram estrofes e rememoraram passagens inesquecíveis da forte Beth.

O tempo foi passando, mas meu coração acelerado e inquieto típico da educação interiorana, me fez romper a barreira da formalidade… “você tem que cantar para Ela, apregoava minha consciência… você quer cantar para Ela… vá; pode ser sua única oportunidade”.

Da melhor forma, e muito respeitosamente, me dirigi até Beth e perguntei: – “posso cantar uma música?”; ela de diapasão: “Qual?” Eu emendei atrevida: “Andança”. Ela rapidamente: “vá, cante logo”.

Um ato generoso, até porque, meio a tantos talentos, Beth sequer imaginava se eu sabia ou não cantar; – até então conhecia a Maria Fernanda Advogada -, mas me deu a permissão, e lá fui eu… E cantei; cantei com a alma, de peito aberto, com os olhos vidrados nos olhos dela, e foi a mais incrível experiência da minha vida, afinal eu estava audaciosamente cantando para a Rainha do Samba. Guardo a experiência como conquista!

Ansiosa por mais um encontro, com convites na mão para o show em comemoração de seu aniversário (5 de maio), o Brasil foi acometido pela triste notícia de que ela foi alegrar o Céu em 30 de abril de 2019. A lembrança do dia em que cantei para Beth Carvalho, agora habita um capítulo de minha própria história. Mas essa é a ordem natural da vida…. E assim seguimos, cumprindo “Andanças” e ciclos.

Com os olhos tomados pelas lágrimas, uma dose cheia de tristeza, acredito que o sonho dela será realizado. Mais que isso, junto com uma equipe maravilhosa – construiremos com o maior amor o Instituto do Samba – Beth Carvalho.

Siga em paz Beth!

“E no passo da estrada se faça andar… por onde for…”.

*Maria Fernanda Jacob/Rio de Janeiro 05 de maio de 2019

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