Artigo: A Fragilidade dos Sistemas

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Por: Roberto Lofrano

Contra todos os testemunhos da história, ainda alimentamos a ilusão de que poderemos apoiar-nos indefinidamente nos sistemas que nós mesmos criamos.

Ficamos escandalizados quando os sistemas se mostram frágeis demais para suportar o peso de nossos empreendimentos e de nossas esperanças.

Acreditamos ainda que o governo é uma forma de magia que absolve os governados de responsabilidade pessoal e investe os governantes de uma espécie de divindade.

Elevamos um homem forte ao governo sobre nós, esquecidos de que ele é mortal e corruptível.

Elegemos assembleias para governar-nos e estranhamos que os seus componentes sejam tão ignorantes, egoístas e medíocres como nós.

Aceitamos leis cujo texto nunca lemos e reclamamos das injustiças que geram.

Pagamos à polícias e às milícias para que nos protejam. Tratamos de treiná-las nas técnicas de vigilância, repressão e tortura psicológica.

Só tarde de mais é que vemos como é fácil nos tornarmos vítimas delas.

Elaboramos complexos sistemas de serviço social para os doentes, os velhos e os inválidos. De repente descobrimos quantos passam por entre as malhas da rede e como isso nos interessa pouco.

Fabricamos uma política monetária para manutenção de nossa moeda deficiente. Fechamos os olhos ao fato de que o dinheiro, divorciado de serviços úteis e artigos tangíveis, é papel sem valor, matemática alucinada na escrita dos banqueiros.

Devastamos os recursos da terra em nome do desenvolvimento industrial e do progresso econômico. Não vemos que os recursos diminuem enquanto metade do mundo vive ainda à beira da fome.

Fazemos negociações de paz e vendemos as armas da guerra.

Procuramos justificar-nos com a lei da oferta e da procura e com a necessidade de criar empregos. A razão sai pela janela quando é preciso manter homens empregados mediante a morte de outros homens.

O computador nos libera dos ônus gêmeos da razão e da contabilidade.

Escreve-nos a biografia em símbolos secretos. Esses registros aos quais não temos acesso, contra os quais não dispomos de recursos legais, determinam nosso crédito, nosso emprego e a nossa posição moral. Podem determinar o Dia do Juízo do qual não há apelação possível.

Quando todos os nossos outros artifícios falham, procuramos refúgios neste ou naquele sistema religioso.

Aceitamos o ritual, a autoridade e a definição ou rendemos homenagem ao astrólogo e ao mago.

Não temos coragem de enfrentar o fato simples da mortalidade ou o vasto mistério da continuidade cósmica.

Temos receio do grande incognoscível a quem chamamos Deus. Por isso, fazemos deuses à nossa imagem e ficamos sem saber porque nos falham com tanta presteza.

No fim, somos atacados da paralisia do desespero. Somos tão pequenos, nossos sistemas  são instáveis, o mundo é tão complexo que todos os nossos esforços parecem inúteis. Raspamos os últimos frutos para fazer uma refeição demente antes que a idade glacial nos envolvam a todos.

Hoje em dia, esse espírito de apatia, de desilusão, e fria indiferença, nos aflige a todos em maior ou menos grau.

Isso nos põe a todos em perigo, sujeitando-nos à tirania ou ao caos.

Exagero? Não me parece. A indiferença atrai o tirano, a desilusão provoca a desordem.

Os nossos sistemas sociais não podem tolerar muita tensão mais.

Um ‘sindicato’ chave pode arruinar um país num único inverno frio. Os shakes do petróleo avassalaram metade do mundo da noite para o dia. Falou-se e ainda se fala em guerra de ocupação da parte dos Estados Unidos.

Se há um remédio para esse catastrófico mal-estar, temos de aplicá-lo prontamente.

Creio que o remédio é simples mas doloroso.

Cada um de nós deve assumir plena responsabilidade pessoal na administração da sociedade. Nenhum de nós pode eximir-se dessa responsabilidade ou delegá-la à coletividade anônima.

Temos de criar ordem em nós mesmos e em nosso meio. Não devemos criar um tirano que a imponha por nós. Devemos ser justos por nós mesmos – justiça pessoal, justiça social – antes que reclamemos de justiça dos outros. Temos de oferecer amor primeiro, ainda que o amor com que nos retribuam seja menos do que esperamos. É esse o verdadeiro contrato social, sem o qual nenhum outro contrato pode subsistir.

Devemos considerar-nos responsáveis, pessoalmente responsáveis por tudo o que é feito em nosso nome por nossos representantes eleitos ou pelos funcionários públicos pagos com o dinheiro dos nossos impostos.

Devemos protestar pessoalmente contra a legislação errada e o serviço infiel. Temos de reconhecer que uma doença no organismo político é uma doença em nossos organismos e que nos cabe o dever de cooperar pessoalmente na cura.

Se houver invasão dos direitos de outro, cada um de nós deve levantar-se para resistir a invasão. Quanto maior é o caso, quanto mais complexa é a questão, mais importante é ouvir a voz humana isolada acima do clamor do debate partidário.

Cada um de nós tem o direito de propor a sua orientação nas assembleias, de reunir-se livremente, de decidir pelo voto da maioria.

Cada um de nós tem o dever pessoal de proteger os direitos da minoria.

Cada um de nós tem uma obrigação de tolerância e compreensão, porque Deus usa uma face diferente para cada homem, porque todas as definições são insuficientes e queimam um homem em nome de uma fórmula – é um ato bárbaro.

Cada um de nós deve respeitar a lei. Cada um de nós deve lutar para melhorar a lei sabendo que a mesma é sempre menos que justa, que é tanto uma arma quanto um escudo e que suas injustiças podem impelir os homens à desordem e à violência.

Não há código completo, não há legislação que não possa ser contestada; não deve haver regulamentos que possam desprezar o seu objetivo fundamental; dispensar justiça numa comunidade de cidadãos livres e capaz de se dirigirem.

Não é um sistema que nos salvará. Somos nós mesmos que nos salvaremos, um por um, um a um, cada um a todos e todos a cada um.

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