Artigo: Empresa em recuperação judicial pode contratar o Poder Público?

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* Por Otávio Carvalho

A participação de empresas em recuperação judicial em processos licitatórios é tema bastante discutível. A lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, expõe, em seu artigo 27, que a habilitação para essas ações exige dos interessados, dentre outras coisas, documentação relativa à qualificação econômico-financeira e à regularidade fiscal e trabalhista.

No que tange a essa qualificação, o artigo 31, inciso II, determina sua comprovação por meio da apresentação de “certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física”.

Pela literalidade da norma, seria possível concluir que as empresas em recuperação judicial estariam automaticamente excluídas dos certames licitatórios, vez que estão impossibilitadas de apresentar as certidões negativas exigidas.

No entanto, tal conclusão pode parecer precipitada quando se analisa a norma conjuntamente ao §2º, artigo 80, da lei 8.666/93, o qual permite à Administração, no caso de concordata de empresa já contratada, a manutenção do contrato, facultando ao ente público a assunção de determinados serviços essenciais.

Sendo assim, a empresa contratada por meio de processo licitatório pode manter o contrato vigente após pedido de recuperação judicial. Então, qual seria o impeditivo às organizações que já se encontram nesse processo de participar de novos certames públicos?

Os argumentos a favor da ausência de tal impeditivo podem ser extraídos da própria legislação recuperacional, que prevê, no artigo 47, o objetivo de viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, permitindo a manutenção da fonte produtora de empregos e capital, preservando a empresa e sua função social.

Importante destacar que a contratação com o Poder Público pode ser a principal fonte de receita de muitas empresas, como prestadores de serviço de pavimentação asfáltica ou construtoras, por exemplo, de modo que impedi-las de contratar o ente público poderá significar a ruína, na contramão do intuito de reerguimento empresarial do processo de recuperação.

Sobre o tema, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.471.315-RS, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que o simples fato da empresa estar em recuperação judicial não impede a participação em certames públicos. No caso em comento, a empresa recuperanda possuía todas as certidões negativas exigidas no artigo 31 da lei 8.666/93, excetuando-se, por óbvio, a certidão negativa de falência ou concordata, pelo que se concluiu que não haveria riscos na sua participação no certame.

Em que pese o ideal do processo recuperacional, é fato que a Administração Pública deve estar amplamente amparada na eventual contratação de tais empresas. Pensando nesse resguardo, o artigo 52, inciso II, da Lei de Recuperação Judicial e Falência, aduz que, deferido o processamento da recuperação judicial, o juiz do processo determinará a dispensa de certidões negativas para que a empresa devedora exerça as atividades, com exceção das certidões exigidas para contratação com o Poder Público ou recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Referidos documentos são as certidões de regularidade fiscal e trabalhista, não se confundindo com a certidão negativa de falência ou concordata, tendo por finalidade a proteção da Administração Pública, evitando que a contratada/recuperanda fique inadimplente em relação ao pagamento de tais verbas, hipótese na qual a responsabilidade pelo seu adimplemento poderia recair sobre o ente público, ou deixar de ter condições de prestar o serviço ou fornecer o produto.

Em consonância ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, tem-se que a recuperação judicial, por si só, não pode dar causa à exclusão da participação de empresas em recuperação judicial de certames públicos, de modo que a certidão negativa de concordata ou falência pode ser dispensada, todavia, deve-se resguardar também o interesse público, razão pela qual as certidões como a de regularidade fiscal e trabalhista, em um primeiro momento, não podem ser automaticamente dispensadas.

*Otávio Carvalho é advogado e atua no escritório Dosso Advogados

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